Como gerir as cobranças no condomínio?

Vítor Amaral apresenta-nos a sua visão sobre as causas do incumprimento e algumas boas praticas nesta área

Cobranças em condomínios: causas e boas práticas em caso de incumprimento pelos condóminos

por Vítor Amaral

Uma das funções do administrador de condomínio, plasmadas no artigo 1436º do Código Civil, é cobrar as receitas do condomínio e “exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas, incluindo os juros legais devidos e as sanções pecuniárias fixadas pelo regulamento do condomínio ou por deliberação da assembleia”.

Receber dos condóminos o que vulgarmente se chama de “quotas do condomínio”, é uma das maiores dificuldades com que se deparam os administradores de condomínios, sejam profissionais ou condóminos. Tal é a dificuldade que esta é uma das principais razões que leva os condóminos a procurar profissionais deste setor de atividade.

“Receber dos condóminos, é uma das maiores dificuldades com que se deparam os administradores de condomínios, sejam profissionais ou condóminos.”

O que justifica esta dificuldade?

São várias as razões para o incumprimento. Aqui apresentam-se as 6 mais frequentes

A indiferença

Por parte de muitos condóminos, por desconhecimento, o que implica o incumprimento do pagamento das prestações condominiais;

Falta de consequências

Saber que, no imediato, nada acontece de grave, ao contrário do incumprimento no pagamento das prestações do apartamento ou da viatura automóvel;

Forma de pressão

Forma de pressionar o condomínio para obras, geralmente quando algumas patologias nas partes comuns provocam danos no interior da fração;

Dificuldade financeira

Uma causa, infelizmente, comum para muitas famílias que não conseguem fazer face a todos os seus encargos com os rendimentos que recebem.

Insatisfação

Insatisfação, muitas vezes sem fundamento, com o serviço da empresa administradora do condomínio;

Problemas sucessórios

Problemas sucessórios, com o óbito de um dos condóminos, quando os herdeiros não se entendem.

1ª A indiferença

Demonstra o desconhecimento dos direitos e deveres dos condóminos e, em muitos casos, o desconhecimento do que representa um condomínio.

Do que são partes comuns e o regime da compropriedade, por que é necessário um administrador, quais as funções do administrador, o que é e para que serve o título constitutivo da propriedade horizontal e o regulamento do condomínio, para que serve a assembleia de condóminos, etc.

Por isso, a APEGAC tem vindo a esforçar-se para alterar este paradigma, quer com formação aos profissionais do setor para que, por sua vez, façam chegar mais e melhor informação aos seus condóminos, quer dando muitas centenas de respostas a questões que são colocadas pelos condóminos, a maioria através do blogue “Vizinhos.blog”, prestando um verdadeiro serviço público, dada a inércia do estado em relação a esta matéria.

Para ilustrar esta inércia veja-se um pequeno exemplo: quando se compra um simples eletrodoméstico, como uma torradeira, esta vem acompanhada de um livro com instruções, cuidados a ter, assim como a garantia e forma de a ativar.

No entanto, quando uma família faz, na maior parte dos casos, o maior investimento da sua vida ao comprar um apartamento, não lhe é fornecido o título constitutivo da propriedade horizontal, o regulamento do condomínio, um plano de manutenção, uma explicação sobre as partes comuns e o regime a que estas estão sujeitas, um manual sobre a vida em condomínio e não lhe dizem quem é o administrador do condomínio.

Cobranças em condomínio - o que justifica a dificuldade por parte dos condóminos

…quando uma família faz, o maior investimento da sua vida ao comprar um apartamento, não lhe é fornecido o título constitutivo da propriedade, o regulamento, um plano de manutenção, um manual sobre a vida em condomínio.

Cobranças em condomínio - o que justifica a dificuldade por parte dos condóminos

Quando os condóminos não procedem ao pagamento do condomínio, criam dificuldades, como a falta de dinheiro para pagar a eletricidade, água,  etc.

2ª Dificuldade económica

Infelizmente muito comum, muitas famílias não conseguem fazer face a todos os seus encargos com os rendimentos que recebem.Porém, por muito compreensivos que sejam os vizinhos, estes não podem ser sobrecarregados com as dificuldades de terceiros.

O orçamento do condomínio de despesas correntes é, em regra, aprovado com valores muito próximos dos gastos previstos, sem haver qualquer rubrica que permita suportar o incumprimento de alguns condóminos;

Por isso, quando os condóminos não procedem ao pagamento dos encargos do condomínio dentro dos prazos, criam sérias dificuldades de gestão ao administrador, pelo facto do condomínio ficar sem o dinheiro previsto para pagar a eletricidade, água, limpeza, manutenção do elevador, etc.

3ª Falta de consequências imediatas

Não é comum executar-se uma dívida que, mesmo após alguns meses de incumprimento, poderá ser de “pequeno” valor (dezenas ou algumas centenas de euros), face às despesas que a cobrança judicial acarreta.

Os condóminos mais relapsos e ou desorganizados, têm as quotas do condomínio no último lugar das suas prioridades de pagamento e, mês a mês (que é o período de pagamento mais praticado nos condomínios) a dívida vai-se acumulando e a dificuldade de pagamento aumentando.

Os condóminos mais desorganizados, têm as quotas do condomínio no último lugar das suas prioridades de pagamento e a dívida vai-se acumulando.

Cobranças em condomínio - o que justifica a dificuldade por parte dos condóminos

Não pagar, não é solução, porque não resolve o problema do condómino e agrava a gestão corrente do condomínio, com consequências futuras para o próprio condómino

4ª Pressão para a resolução de problemas

Em muitos casos os condóminos utilizam o incumprimento na tentativa de verem resolvidos os problemas no interior das suas frações, algumas vezes sem qualquer razão, por serem problemas com origem noutras frações e que devem ser tratados entre condóminos.

Quando os problemas têm origem nas partes comuns, devem começar por os denunciar à administração que, se for necessário, deverá levar o assunto à assembleia e, esta não aprovando a realização de obras e a reparação dos danos na fração, o condómino tem o direito e até a obrigação de instaurar ação judicial contra o condomínio, o que deve fazer no prazo de 3 anos após a denúncia.

Por outro lado, o não pagamento também serve para mostrar o desagrado em relação ao administrador, o que é um erro, porque o desagrado deve ser manifestado à assembleia de condóminos, para ser esta a decidir pela exoneração e substituição do administrador, caso venha a entender que aquele não cumpriu devidamente as suas funções.

5ª Problemas sucessórios

Este problema surge com o desentendimento entre herdeiros, que não só não comunicam o óbito do condómino, como também não comunicam quem são os herdeiros e quem representa a herança, assim como o respetivo NIF desta.

A situação agrava-se quando também não há entendimento sobre quem assume o pagamento das despesas do condomínio, apesar de, legalmente, ser a herança.

A situação agrava-se quando também não há entendimento sobre quem assume o pagamento das despesas do condomínio, apesar de, legalmente, ser a herança.

O que deve fazer o administrador de condomínio para resolver as situações de incumprimento?

Como referido inicialmente, uma das funções do administrador de condominio é cobrar dos condóminos as prestações aprovadas pela assembleia e isso pode implicar a cobrança judicial.

Decorre da lei (artº 6º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro), que “o administrador deve instaurar ação judicial destinada a cobrar as quantias” aprovadas e que a ação judicial “deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil” (€522,50).

Apesar da lei referir um valor que obriga o administrador a executar judicialmente a dívida, nada impede que recorra a este meio para cobrança de valor inferior. No entanto, a responsabilidade passa para o administrador que não execute a dívida quando ela ultrapasse os €522,50.

O que deve, então, fazer o administrador para cumprir cabalmente as suas funções, conseguir fazer uma boa gestão financeira do condominio e não ser responsabilizado?

1. Comunicar bem com os condóminos, prestando-lhes todas as informações.

A falta de comunicação gera desconfiança e insegurança que, consequentemente, potenciam o incumprimento.

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A comunicação começa pela necessidade de informar os condóminos dos:

Valores a pagar, atempadamente;

O que fundamenta esses valores (orçamento);

Como podem pagar, possibilitando várias formas de pagamento, como a transferência bancária para a conta do condomínio ou, melhor ainda, o débito direto, etc;

O que implica o incumprimento, no que respeita à aplicação dos juros de mora à taxa legal de 4% e das sanções previstas no regulamento ou aprovadas pela assembleia,

Explicar também a dificuldade de gestão do condomínio, com o incumprimento no pagamento a fornecedores e possível corte de alguns serviços.

Comunicar tem de ir para além dos encargos do condomínio.

É necessário informar os condóminos sempre que se justifique, como:

A avaria de um equipamento;

A denúncia de problemas no interior de uma fração, com origem nas partes comuns;

A data de início de uma obra e o prazo previsto para a sua execução; eventuais alterações à execução de uma obra que tenha sido aprovada pela assembleia;

Quando o condomínio seja notificado no âmbito de qualquer processo, etc.

É de igual forma importante fornecer o regulamento do condomínio e, periodicamente, informar sobre algumas das suas principais regras.

2. Enviar periodicamente aos condóminos avisos de cobrança ou outro meio de informação sobre o valor a pagar.

Não basta a comunicação anual das deliberações.

3. Não deixar que o incumprimento ultrapasse 2 ou 3 prestações, sem o envio de uma carta de interpelação para o pagamento.

Com a advertência de vir a ser instaurada uma execução judicial de cobrança, com os encargos que daí advirão;

4. Quando a carta não surta efeito, deve ser entregue a cobrança a um gabinete de advocacia para que este execute a dívida.

Começando com a interpelação ao condómino que, apesar de já ter sido interpelado pelo condomínio, em alguns casos resulta no pagamento por parte daquele, pelo facto de verificar que, afinal, o administrador cumpriu e também porque vir à realidade o valor dos encargos que uma execução lhe acarretará.

5. O administrador ou quem secretarie a reunião, deve ser cuidadoso na elaboração da ata da assembleia que aprova o orçamento.

É esta a ata que poderá ser executada judicialmente, desde que preencha todos os requisitos. A execução judicial é a forma mais expedita de cobrança. Para isso, a convocatória deve respeitar prazos de envio ou entrega e os assuntos a discutir devem constar claramente da ordem de trabalhos;

A assembleia só deverá reunir e deliberar desde que respeite o quórum constitutivo e deliberativo; Da ata deve constar a identificação dos presentes e ausentes e os assuntos discutidos e aprovados devem ser resumidos de forma clara, constando das deliberações as frações que votem contra ou se abstenham, com especial atenção à deliberação sobre o orçamento, que deverá fazer referência ao valor aprovado, o montante a pagar por cada fração e a data de vencimento de cada prestação, assim como a sanção a aplicar em caso de incumprimento.

Cobrar é uma tarefa difícil para o administrador.

Acresce o facto de alguns condóminos que, não tendo sido cumpridores e contra os quais foram instauradas execuções judiciais de cobrança, virem a mobilizar-se junto dos seus vizinhos, como forma de retaliação, para conseguir a maioria da assembleia e eleger outra empresa.

Infelizmente, algumas das vezes conseguem, porque o administrador externo é sempre uma entidade estranha, enquanto o condómino incumpridor é um vizinho com quem os restantes se cruzam todos os dias.

O Gecond, programa de gestão de condomínios, é uma ferramenta útil no processo de cobranças, por ter um módulo de contencioso que permite parametrizar todo o procedimento e acompanhá-lo.

Além de ser precioso para a comunicação automatizada com os condóminos em incumprimento e emitir um relatório de forma muito simples, mas objetiva.

Vítor Amaral é licenciado em direito pela Universidade Católica Portuguesa, pós-graduação em direito do urbanismo e exerce advocacia como profissão. É igualmente empresário na área de administração de condomínios há mais de 25 anos. Atualmente é Presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Gestão e Administração de Condomínios . APEGAC.

É formador reconhecido na área da administração de condomínios e autor da rubrica “Viver em condomínio” no programa “A Praça” da RTP. Organiza periodicamente formações na Academia Improxy.

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